Sunday, June 12, 2011

Mammuth


Ontem fui ao cineclube assistir Mammuth, e adorei, adoro não esperar muito coisa, e sair pensando depois do filme. Filme simples, meio embassado nas imagens, com poucos elementos. Um road movie numa moto modelo Mammuth, com o mamutesco Obelix, Gérard Depardieu, que está deliciosamente asqueroso, de abdomem inflado como um balão e cabelos sebosos compridos,  nariz eterno de Cyrano de Bergerac, visual bruto e perfeito.

O filme não é nada previsível, e tem cenas hilárias, que não vou contar pra não estragar a festa de quem vai assistir. Perfeito pra minha semana de aniversário. No cinema várias pessoas de cabeleiras brancas, pela temática de aposentadoria, que não cabe nos moldes da Holanda bem sei, pois o sistema de aposentadoria aqui é diferente da França (pelo que percebi e do Brasil), onde a classe trabalhadora precisa comprovar os anos trabalhados por papéis das empresas trabalhadas, no Brasil ainda acredito que temos a carteira de trabalho como comprovação das empresas que trabalhamos, no caso de sermos um simples arbeider (operário, funcionário de empresas privadas). Lembro bem que uma tia minha conversando com minha mãe sobre: tenho que achar alguns empregadores, para completar meus anos. Já que havia trabalhado alguns bons anos, sem papéis para comprovação.


Aqui é por idade. Uma pessoa com 65 anos, pode se aposentar ou é considerada aposentada, mesmo sem nunca ter trabalhado ou ter trabalhado alguns anos somente AOW é a Lei geral de benefícios para idosos (terceira idade), mas vamos deixar as comparações de países e leis a parte.

A vida toda do sujeito parecia ter sido um erro, quando na despedida no último dia do trabalho, ele ganha uma festinha num espaço minúsculo do frigorífico 'financiada' pelos colegas uns drinks baratos, e um quebra cabeças de 2000 peças, já que ia ter tempo de sobra pra não fazer nada dali por diante.

Ele possui uma moto enorme, de modelo Mammuth na garagem, (até pensei que o nome seria pelo tamanho do personagem no filme ou algo assim), mas não, ele teve uma juventude, um amor perdido, e uma família bem fora dos moldes normais, e não se encaixava no clichê de aposentado, excursões de ônibus pra idosos, e esses passatempos todos das pessoas que quando chegam a uma certa idade, a vida parece se esvair em atividades inócuos vista de fora, passaporte pra hospitais, doenças e asilos escuros e solitários.
Afinal quem se importa com essas pessoas, que ficam transparentes nas ruas e vão saíndo do mapa todos os dias?

O personagem Serge, carrega ao longo da sua 'insignificante' vida de trabalho árduo e correto, a dor da perda brusca de sua amada, que o persegue como um fantasma, e nada melhor que um trabalho pesado, e agressivo no frigorífico, para escapulir da reflexão e realidade, e o encontro 'amoroso' no caso com uma funcionária de um grande Supermarché nesse interem, que o tirou da idéia de desaparecer do mapa, companheira que funcionava como controladora maternal de sua rotina, mulher simples mas pra todas as horas.

A busca pelos papéis pra completar sua aposentadoria em empresas insólitas como cemitério, discoteca inferninho tipo de beira de estrada, moinho, empregado de plantação de uvas de uma vinícola onde atualmente só trabalham muçulmanos ou ilegais, num parque de diversões a la Play Center (numa versão pobre), dentre outros trambiques, a ingenuidade de ter sido passado pra trás, vão construíndo ao personagem a maturidade necessária para uma vida plena, livre, despreendida, um retorno à essência da vida  através da 'busca' obrigatória (por causa do dinheiro pra pagar os 3 empréstimos e conseguir a aposentadoria). A solidão, o erro e o encontro de si mesmo, o desapego de seu amor do passado o fazem uma pessoa completa, que vive o presente, deixando pra trás a automatização de um 'funcionário' passivo, e sem falar sobre o detalhe do método desenvolvido de detectar metais na praia, hobby esquecido, o retorno à família e jovem sobrinha artista que faz obras com bonecas dilaceradas, estilizadas à la Keila Alaver no AZE 70 no início dos anos 90 o auxiliam na descoberta da razão de seu viver.

O filme é poético, não é piegas nem triste de forma alguma, despretensioso, realista, engraçado, daqueles que nos fazem pensar na própria vida na velhice, um dia chegaremos lá? e se chegarmos, depois dos 65, 70 anos..., estaremos de cabelos brancos, ou sem cabelos, estaremos com ou sem saúde, ou pelo menos com todos os cinco, quatro, três sentidos, estaremos com a carcaça cansada, ou ainda teremos carregado o passado distante nas memórias revisitadas, teremos em nossa mochila um detector de metal mental, que vai nos dar a bússola e a razão de nossa existência, quando iremos morrer? como estaremos vivendo?
Seremos desses velhinhos resignados? O que nos chamará a atenção na vida, estaremos jogados às traças, como um saco de batatas pela sociedade produtiva? Estaremos online com computadores mais modernos ainda, conectados com nossos netos? Teremos netos?
Estaremos participando das artes, da vida dos jovens, o que teremos a dizer? Quem vai querer nos ler? nos ouvir?

Mas claro, a resposta não está no futuro, está na nossa vida no presente, no que fizemos e fazemos com ela até aqui, no cuidado e atenção à nossos desejos mais profundos da beleza de qualquer forma de arte sempre, da arte de viver plenamente, cada dia como se fosse o último, ou o primeiro, vivendo nossas paixões, não esquecendo do mundo lá fora e da vida pulsante aqui dentro.



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