Saturday, November 22, 2014

O luto eterno



Não sei se as pessoas fizeram a egípcia pra mim na rua hoje ou não me reconheceram, na verdade um 'casal' conhecido são essas pessoas, a mulher me olhou mas evitou o contato no olhar, talvez seja porque vestia PRETO da cabeça aos pés, e o chapelão meio que tapava o meu rosto parcialmente.
Talvez sim, talvez não. Eu parecia chamar atenção no meio daquela multidão do mercado de rua.
Encontrando o Luciano (conhecido) mais tarde na frente da biblioteca pública o confidenciei.
Ele como um bom louco disse que eu estava muito elegante e talvez as pessoas tenham exatamente o medo de se aproximar.
Só que eu sei que a minha elegância, nem seria por estar magra, muito pelo contrário, os 15 quilos a mais...já estão fazendo parte do meu corpo praticamente, a minha elegância era urubótica mesmo, assusta e associa à algo negativo digamos assim.

Resolvi sair de saia longa de lã (que eu comprei de segunda mão acho que por € 5 ano passado, numa 'kringloopwinkel/charity shop/brechó sem ser bonitinho). Uso muito essa saia de malha com uma pequena fenda na lateral, com sapato preto 'brogues', botas de canela e tênis... e depois aqueles casacos fluflus, nem sei o nome que nem era pra comprar, mas ano passado estava em Harlem entrei numa loja que eu adoro, e a vendedora de 16 anos estava usando um, e vendia na loja, não consegui ficar longe, é tão bom de usar quando está frio, mas não tão frio, porque dependendo do frio, depende do casaco, e de passagem tenho vários pretos, vários mesmo, de todos os tipos, modelagens, materiais, mas sempre tem os favoritos.

Esse ano vc encontra quase em qualquer esquina, digo, esses casacos peludinhos...e o meu chapeau preto (um deles), pois a coleção está aumentando, sem querer, também. Descobri aqui na Holanda que sou uma pessoa de caráter colecionador. 
Ao longo da minha vida coleciono COISAS, me desfaço, e começo a colecionar novamente...se estou com 54, acho que isso não vai acabar assim.

O visual URUBU é pra manter mesmo o povo longe (às vezes), não que seja intencional, assim só se aproxima quem realmente tiver interesse (quem vê através das aparências), é um código particular, uma maneira de comunicação, não verbal, afinal a 'moda'/roupa é uma excelente forma de expressar nossos humores, o que achamos, ou não, quem queremos na nossa vida, ou não, quem chega perto, quem fica onde está.
Claro que adoro certas padronagens e uso cores, algumas delas.

Sou 'urubu'  desde os anos 80. Um belo dia eu lembro bem, cortei o meu cabelo super curto, pintei de preto...e usava uma calça de malha (nem lembro muito bem de onde saiu, e nem usava maquiagem, não se usava calça de malha no início dos anos 80)...desde aquele momento, o preto virou uma COR QUE ME DEIXAVA MUITO FELIZ, muito mesmo, uma sensação de poder, de força.  Usar preto, não é só usar preto, querer ficar magra, ou parecer enigmática, de mal com a vida, ou sei lá o que as pessoas que não entendem esse 'statement'. É uma questão indie digamos assim, independente de qualquer coisa, de rótulos que a sociedade quer te impor. 
E cada vez mais me sinto uma pessoa 'indie', porque posso ser tudo que sempre fui, ou sou...eu.
Antigamente eu sentia uma certo desconforto em não pertencer 100% a um determinado 'grupo'. Eu gostava de determinada 'coisa', mas também gostava de outras coisas, e isso na JUVENTUDE é uma grande paranóia, pois é a fase que precisamos (pela nossa insegurança) ainda nos situar no mundo, estamos nos 'transformando' em nós mesmos, nos descobrindo.



O PRETO, usar preto, carrega em si, vários mundos, tem vários tons de preto literalmente, conforme a textura do tecido (fabric), o tipo...tem aquele preto 'russo' que a minha mãe falava, que por sinal...eu poderia usar o preto como LUTO pois hoje o mundo completa 18 anos sem a minha querida mãe, e eu acho que nunca vi a minha mãe usar preto, o preto brilhando, verniz...o preto fosco, o preto puxando pro grafite, ébano, azulado...e por ai vai...e os diferentes significados e intenções de usar preto.
O preto da viuvez e do luto, com seus simbolismos nas diferentes culturas, se aplica hoje, aniversário da morte da minha mãe, o preto da burka.

Não estou de luto pela minha mãe, acho que nunca estive, ou sempre estive.
Lembro foi a oportunidade de ver a minha mãe filha no enterro da mãe dela. Quando lá cheguei, estava minha mãe aos prantos, completamente vulnerável. "Dedeti (como era o meu apelido em 'casa') a minha mãe se foi, a minha mãezinha".) Ver a minha mãe naquele estado, me cortou mais o coração do que a morte de minha avó em si.

Pois, o interessante é que eu MORRIA de medo, que minha mãe morresse um dia, eu tinha mais medo da idéia da morte do que a morte em si. E talvez esse seja meu luto, antes do luto, sem luto. E quando ela morreu, eu estava longe e perdi o enterro (no Brasil eles enterram o morto muito rápido).
Perder a mãe, ninguém perde a mãe, também já escrevi isso.
Chorei muito, chorei o dia inteiro, enquanto o vôo para o Brasil não vinha...mas parece que lá onde 'a energia' da minha mãe está, se é que é um lugar, uma outra esfera, dimensão, pluralidade do multiverso, ela não deixa eu chorar, ela me faz sempre forte.
Talvez por eu ser mãe também, agora...e essa é a força das mães, elas sempre protegem os filhos onde quer que estejam, mesmo quando não mais
estão.
E por essas e por muitas, que uso gosto de usar preto...uma cor que conforta e colore a minha alma, 
sempre há um bom motivo para ser eu mesma. 

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